quinta-feira, 5 de junho de 2008

O Canto Dos Desesperados (Conto Noir de kiko Ferraz)


No Radio do carro tocava um Blues qualquer, não conhecia, mas gostei do som. Meu ex-parceiro estava dirigindo e contando sobre nossas fabulosas histórias que presenciamos na policia. Quando o carro parou em seu destino ele desceu, me abraçou e falou:
- Foi um grande prazer ter um parceiro como você, quando voltar para Porto Alegre venha me visitar, vamos beber nossos famosos porres. Você é um grande cara, obrigado por salvar minha filha aquela vez que ela se meteu com aquele traficante. Eu Respondi:

- Que isso Gordo! Sempre por um amigo.

Na rodoviária me sentei no único bar aberto e pedi um café, ali só havia eu, a loira trás do balcão e um homem velho com a barba por fazer. Era meu último dia naquela cidade, resolvi tomar umas doses de uísque e pensar um pouco na vida que estava deixando. Eu conquistei tanta coisa nos últimos anos, melhor e mais jovem policial do sul, odeio pensar no dia que minha fama começou mas é a vida. Amanhã eu ia tomar um belo café da manhã em Brasília. Levantei daquele lugar e fui até o box onde ia chegar meu ônibus, eu odiava avião, não queria fazer parte de uma manchete como :
"Tragédia - Avião Cai e Mata 200”.

Não tinha ninguém naquela rodoviária só a escuridão, algumas lâmpadas nos cantos e um vento que atingia minha face levando embora todos os meus pecados. Quando cheguei em meu destino vi um velho sentado de óculos escuros, tinha um trompete na mão, seus dedos eram cheios de anéis, sua cabeça estava firme pra frente e ao se lado tinha apenas uma caixa onde devia guardar seu instrumento.

Sentei ao lado do velho e perguntei:

- Também vai até Brasília?

Ele respondeu: - Vou pagar uma promessa que fiz há muitos anos.

-Entendo. Então você toca trompete? Eu sempre gostei de jazz, a única coisa que lembro de minha infância é da coleção de discos do meu falecido pai, só clássicos do jazz. Ele escutava sempre quando chegava do trabalho, tomava seu uísque e contava tudo que tinha acontecido em seu dia de trabalhador honesto. Uma vez quando não tínhamos dinheiro pra comer ele vendeu todos seus discos.

Então o velho com uma voz que parecia um narrador de filme antigo começou falar:

- Você é um homem ligado à família, assim como eu, não tem um dia onde eu não pense em meu falecido filho, minha falecida mulher e meu falecido Amor. Meu filho não era a pessoa mais honesta do mundo, mas era uma boa pessoa e não podia ter o fim que teve. Minha mulher...me diga homem, como está a lua?

Eu olhei para o céu sem entender e falei:
- Linda, muitas estrelas, ela toda cheia roubando a cena com sua deslumbrante beleza, é um verdadeiro presente do céu para todos os amantes do mundo.

O velho balançou a cabeça como se estivesse concordando:

- Assim era minha mulher cheia de vida, seu sorriso iluminava tudo ao seu redor e seu amor dava inspiração em minhas musicas. Desde que ela se foi, eu só consegui compor uma musica, a que tirei do fundo de minha alma.

Então olhei ao meu redor e falei:
- Não tem ninguém aqui bom homem, pode tocar sua musica só para alegrar o ambiente? O Velho apenas sorriu pegou sua mala e foi caminhando até a escuridão e desapareceu.

Eu estava com vontade de ir ao banheiro, olhei meu relógio e ainda faltava um tempo para o ônibus chegar, então levantei e fui até o banheiro com a lâmpada falhando. Estava lavando as mãos e senti um frio na espinha, comecei a escutar passos do lado de fora do banheiro, o som ficava cada vez mais alto, aquilo estava me deixando impaciente e derrepente o som parou, ninguém entrou no banheiro. Quando olhei para o espelho e levei um susto, o velho estava ali parado com uma arma na mão.

- Senhor, o que pensa que está fazendo? Perguntei sem tirar os olhos da arma.

- Lembra do dia que você ficou famoso? Do dia que você virou herói?

- Olha senhor não sei do que ... antes de terminar a frase um tiro pegou em minha perna e cai no chão.

- Fale desgraçado, lembra do dia que você virou herói? Vou te contar uma coisa. Naquele dia quando um traficante fez todo mundo de refém naquele mercado quando estava fugindo da policia, tinha um homem acompanhado de seu amado filho. Ninguém viu mas o traficante tirou o capuz e as únicas pessoas que viram o rosto do infeliz foi o pai e o filho.

Olhei para o velho e comecei a lembrar do rosto dele, não podia ser verdade. Olhei para minha mala e estiquei o braço mas outro tiro acertou meu braço. Meu sangue estava escorrendo pelo banheiro, nesse momento entrou um homem que limpava a rodoviária, olhou pra mim, para o velho e saiu correndo.

O velho então com toda calma continuou falando:

- Parece que o traficante já conhecia o garoto, meu filho já havia sido preso por posse de drogas pelo polici ... ou devo dizer o mesmo traficante nojento que estava fugindo da policia. Você viu sua oportunidade ali e atirou no meu rosto, depois matou meu filho, colocou suas roupas nele e todo mundo pensou que meu filho era um bandido e você um herói.

Naquela hora pensei que devia ter atirado varias vezes nesse velho, mas acabou, não consegui ficar rico e provar para meu falecido pai eu honestidade não leva a lugar algum. Também não consegui ter dinheiro para ter uma família de verdade. O velho pegou levantou a arma e descarregou seu revólver no homem sentado ao chão. O sangue agora estava pelo banheiro todo, a luz piscava e o velho falou alto:

- Depois que minha mulher se suicidou eu só consegui fazer essa musica, chama-se “O Canto Dos desesperados”.

O velho colocou o trompete na boca e começou a tocar uma linda musica, ela batia nas paredes do banheiro e aos poucos foi envolvendo a rodoviária toda, as paredes sujas e os cantos escuros, o bar aberto, os ratos procurando por comida e o barulho se misturava com as sirenes dos carros de policia que chagavam. Era como se a musica estivesse recepcionando Morte.